quinta-feira, 17 de novembro de 2016

UtaKoi - ResenhAnimes


Episódios: 13
Ano: 2012
Estúdio: TYO Animations
Gêneros: Histórico, Josei, Romance


Sinopse: UtaKoi realiza uma “interpretação super-liberal” da antologia Hyakuninishu durante a era Heian no Japão, com 100 poemas românticos de 100 poetas diferentes, como “O Conto de Genji” de Murasaki Shikibu.



O Japão apresenta uma cultura milenar riquíssima em diversos campos. Um destes, a literatura, é exemplificado com diversas obras de peso, seja na prosa ou na poesia. Na poesia medieval japonesa, destaca-se uma compilação de vários tankas (poemas curtos) de diversos autores realizada por Murasaki Shikibu no século XIII, utilizada atualmente em uma das modalidades de karuta, um jogo cartas tradicional dos nipônicos. O anime Chihayafuru colocou em evidência o karuta para o público ocidental, mas não se aprofundou no terreno histórico e poético das obras contidas em suas cartas. UtaKoi preenche essa lacuna, trazendo o ambiente medieval e dolorosamente romântico para contornos modernamente mais assimiláveis.

O anime consiste em apresentar o contexto romântico e social que gerou alguns dos poemas utilizados na série. O autor da compilação, com uma aparência mais jovial e divertida, apresenta os personagens no começo do episódio, um casal apaixonado, e a história se desenrola com eles até o momento da composição do(s) poema(s). Há um pouco de comédia implantada nos diálogos, gerando um claro anacronismo com aquela realidade cheia de códigos e posturas de um Japão isolado. Apesar de vários momentos de comédia, os finais de cada episódio não terminam da forma que costumeiramente ocorre em histórias de amor. Não são resoluções que esperamos, mas estão de acordo com a situação histórica da obra e seus impedimentos.  

Diferentemente de Chihayafuru, no qual, pelo próprio regulamento do karuta, praticamente não ouvimos todo o poema ser declarado, em UtaKoi os tankas são os clímax de todos os episódios. Apresentar um poema sem conhecer as razões do autor pode gerar interpretações peculiares e distintas em cada leitor. Porém, quando sabemos (e vemos) sua motivação, as palavras ganham uma força poética ainda maior. Não precisamos pintar nosso sentido nelas; pelo contrário, elas já estão carregadas com o real sentimento do poeta, e vivenciamos isso de antemão ao longo do episódio. O momento da declamação é poderoso: poucas palavras saturadas de uma vida de emoções.

Como dito acima, os contos se encerram sempre com uma ponta de tristeza. É uma experiência “agridoce” assistir os personagens brincando e fazendo piadas sobre o amor sentido um pelo outro para logo depois verem seus sonhos se despedaçarem pelas diferenças de classes impostas. Eu diria que não são “histórias de amor” mas sim “histórias de fracasso amoroso”. Contudo, eles são eficientes para criar no espectador a torcida pelos seus destinos, através de uma caracterização inegavelmente boa.

UtaKoi é um anime melancólico, pelas razões históricas nas quais seus personagens estão inseridos. Eles são representados pelos diversos autores que formam a compilação. Todos eles são poetas famosos do período Heian, membros das classes mais altas da sociedade e alguns oficiais e plebeus que cortejaram princesas. São altamente regidos pelas etiquetas e limites sociais de sua época. Destaque para as personagens femininas que, devido a uma sociedade altamente machista, precisam suportar os ditames de uma vida enclausurada e tediosa nos palácios reais, encontrando na poesia o único meio de expressão para suas aspirações latentes.

Assistindo o anime, veio-me à cabeça The Count of Monte Cristo, não pela história que é totalmente diferente, mas pelo estilo de arte adotado. Em The Count of Monte Cristo, há um recurso em que são utilizadas “texturas fixas” ao invés de cores sólidas para representar as roupas: quando ocorre o movimento, as bordas de suas roupas se mexem com os personagens, mas as texturas permanecem imóveis. Lembra um orifício móvel se movimentando sobre uma superfície fixa. Alia-se a esse recurso a escolha por traçados relativamente grossos, incomuns no mundo dos animes, que também me lembraram obras como Kaiji: Ultimate Survivor e Mahjong Legend Akagi, mas sem os seus visuais angulosos.

Os temas de abertura e encerramento contribuem para o “-doce” de agridoce que me referi acima. A abertura ficou por conta de Ecosystem com “Love Letter wo Nanika?”, uma canção poppy rock que não achei combinável com um anime essencialmente histórico e um tanto melancólico tematicamente falando como UtaKoi. O encerramento é pior ainda, com "Singin' My Lu" por SOUL'd OUT, que pelo visto é alguma boyband japonesa que orgulharia Justin Timberlake e similares do gênero. Canções que diminuíram a força da proposta do anime.

UtaKoi é um josei para os românticos que gostam de relacionamentos de época traduzidos numa abordagem mais descontraída e anacronicamente moderna. Como obra educativa, é um pontapé inicial para a familiarização com a literatura antiga japonesa (o período medieval, em especial) e seu contexto histórico. É sempre importante resgatar as raízes culturais para as novas gerações e creio que UtaKoi cumpriu bem o seu papel para um Japão atualmente vanguardista nas novas tecnologias e comportamentos relacionados a elas.

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